Os protestos no Brasil deixaram os países vizinhos ainda mais
preocupados com a economia brasileira, segundo analistas ouvidos pela
BBC Brasil. Nos últimos dias, o Brasil tem sido tema de programas de
televisão latino-americanos, como na "TVN", do Chile, em que analistas
disseram no fim de semana que, quando o "Brasil fica resfriado, todo o
continente pega uma gripe".
Além de ser um dos principais parceiros comerciais de muitos países da
região, o Brasil passou a ser nos últimos anos destino de investimentos
diretos vindos do
Chile
e da Argentina, além de receptor de imigrantes latino-americanos que
buscam oportunidade econômica - caso, por exemplo, de bolivianos.
"A situação no Brasil é preocupante e estamos acompanhando tudo
atentamente, porque a Bolívia envia gás para as indústrias brasileiras",
disse o analista de política econômica Javier Gomez, do Centro de
Estudos Trabalhistas e Agrários (CEDLA, na sigla em espanhol), de La
Paz.
"Se a desaceleração econômica continuar, o setor industrial comprará
menos gás boliviano, o que afetará nossa economia. Ao mesmo tempo, há
forte presença de mão-de-obra boliviana no Brasil, principalmente em São
Paulo, e se (a economia não voltar a crescer logo) eles terão que
retornar à Bolívia".
Gomez afirmou que os bolivianos, geralmente empregados no setor têxtil,
costumam se mudar rapidamente quando percebem que a situação econômica
de outro país já não lhes é favorável. Nos últimos anos, disse o
analista, o Brasil passou a ser o principal destino dessa imigração,
principalmente depois que a
Argentina aplicou o controle cambial, em 2011, e dificultou o envio de reservas para o exterior.
"Muitos que estavam na Argentina optaram pelo Brasil. E certamente agora também estão atentos ao que ocorre no país".
Investimentos do Chile
O Chile é, por sua vez,o maior investidor estrangeiro direto (IED) da
América Latina no Brasil, segundo o Banco Central do Brasil e a Direção
de Relações Economia Internacionais (DIRECON), do Ministério chileno das
Relações Exteriores.
De acordo com a DIRECON, o estoque acumulado destes investimentos
chilenos no Brasil é de US$ 12,9 bilhões - sendo o terceiro destino das
IED chilenas no mundo.
Também por isso, os protestos no Brasil e seus reflexos nas decisões do
governo, além do ritmo da economia brasileira, estão sendo acompanhados
de perto pelos investidores chilenos, segundo fontes do setor privado
no país andino.
País com 17 milhões de habitantes, com empresas que buscam ampliação e
maior número de consumidores, o Chile passou a olhar para o Brasil como
destino natural de muitos de seus investimentos.
"O Brasil registrou fortes avanços econômicos e sociais nos últimos
anos e passou a ser decisivo não só para o Chile e para a América Latina
como um todo, mas para o mundo", disse Eugenio Figueroa, professor de
economia da Universidade do Chile. "O Brasil tem hoje um papel de
liderança na América Latina e seu desempenho é fundamental para toda a
região perante o mundo".
Ele agregou que o Brasil viveu uma forte "transformação social" nos
últimos anos, mas, como em outros países, as demandas não estão sendo
atendidas no ritmo esperado pelas novas sociedades. "O que acontecer na
economia brasileira e na sociedade brasileira, como a forma de fazer
política e de inserir no mundo, nos afetará. Se o Brasil for bem o Chile
e toda a região irão bem também".
Para ele, é, porém, cedo para dizer se os investidores estão revendo
investimentos no Brasil. "Mas certamente todos os investidores chilenos,
de toda a América Latina e do mundo estão esperando para ver o que
ocorrerá no Brasil nos próximos dias e meses".
Paraguai tenta crescer
No Paraguai, a previsão é a de que a economia do país deverá bater novo
recorde de expansão, com crescimento entre 11% e 13% neste ano. Mas
esse índice só será alcançado se a economia brasileira não tiver
desaceleração maior que a já esperada para este ano, opinou o economista
Fernando Masi, do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia
(CADEP), de Assunção.
"Antes mesmo das manifestações, o baixo crescimento da economia do
Brasil já nos preocupava. Se a economia brasileira não se recompuser e
voltar a crescer, vai afetar o aumento do PIB esperado para o Paraguai".
O economista paraguaio afirmou que a economia de seu país é
"dependente" do Brasil, para onde envia 21% das suas exportações - sem
incluir a energia gerada e enviada da hidrelétrica de Itaipu. "Por tudo
isso estamos observando surpresos e com atenção tudo o que está
ocorrendo no Brasil nos últimos dias".
Argentina 'mais dependente'
Economistas e políticos argentinos também observam com atenção os
protestos e seus possíveis efeitos nas decisões do governo da presidente
Dilma Rousseff.
"Acho que os protestos no Brasil colocam o foco na economia, porque o
crescimento é baixo e a inflação está em alta", afirmou o economista
Matias Carugati, da consultoria econômica Management&Fit, de Buenos
Aires.
"Mas é o baixo crescimento o que mais preocupa, porque o Brasil é
fundamental, por exemplo, para o setor automotivo. Se a este fato
somamos a desvalorização do real, as autoridades argentinas deveriam
estar bem atentas. Mas se o Brasil crescer um pouco mais do que no ano
passado, esse impacto pode acabar sendo positivo", agregou.
O economista argentino Raúl Ochoa, coordenador do programa de
exportação das pequenas e médias empresas da Universidade Três de
Febrero (UNTREF), disse que o ritmo da economia e os protestos chamam
atenção no país vizinho porque, "em seu isolamento" no cenário
internacional, a Argentina "ficou ainda mais dependente do Brasil".